Último romance*

Peguei-me pensando em você. E de repente me veio seu toque. Estava sentado naquele banco da praça há quase duas horas. Pequei-me pensando em você. E de repente me veio seu perfume. Minha perna balançava sem parar, uma sobre a outra. Pequei-me pensando em você. E de repente me veio seu sorriso. Uma senhora sentou-se ao meu lado. Peguei-me pensando em você. Mas antes que outra recordação sua viesse corroer-me a mente algo me distraiu, a senhora ao meu lado estava revirando a bolsa loucamente. Há quanto tempo será que ela estava procurando algo naquela caixa de pandora? Sim, caixa de pandora, porque, Senhor, que bolsa era aquela? Além de grande, parecia funda e sem fim, lotada de coisas, bagulhos, entulhos, e tudo de ulho que você pode imaginar.

Peguei-me pensando em você, perdão, não pensava mais em você, aliás, talvez estivesse pensando, na verdade nunca deixei de pensar, apenas estava distraído. A mente humana se distrai muito facilmente minha querida.

Fiquei curioso, queria poder ajudar a senhora de cabelos brancos, sapatilha lilás e óculos, mas tive medo de parecer intrometido. Fiquei imóvel, prendi a respiração inconscientemente. Minha perna parou de se mover, não tremia mais.

Pronto, finalmente a senhora parecia ter achado o que tanto procurava. Agora estava com uma feição mais aliviada. De canto de olho pude vê-la tirar da bolsa e repousar em seu colo um batom e um espelho pequeno, daqueles que tem a imagem de um animal atrás – é da sua época, não é? – pois sim, minha mãe tem um espelho daquele em casa. Voltou e fechou a bolsa.

Comecei a assoviar e olhar para as crianças que brincavam no parque, como quem não quer nada, como quem não estava – por dentro – se perguntando o porquê daquela senhora ficar um bom tempo procurando um batom e um espelho dentro da bolsa.

Continuei meu disfarce, mas pro meu azar acho que a interrogação já estava sobre minha cabeça. A senhora virou para mim segurando o pequeno espelho em uma mão e o batom  na outra:

- Boa tarde meu filho, poderia segurar pra mim?

Minha respiração parece ter parado novamente, puxo o ar, solto.

- Claro.

- É que eu estou numa tremedeira só, além do mais não consigo passar o batom com uma mão só. Vai borrar.

Apenas consenti com a cabeça e sorri. Calmamente ela endireitou minha mão, posicionando o espelho na direção de seus lábios, abriu o batom vermelho fez o contorno de sua boca com ele. Sorriu. Parecia contente e sem preocupações.

- Ficou muito bonito. – Afirmei, me senti na obrigação de dizer algo, não porque ela era uma senhora, ou porque ela me fez parar de pensar um pouco em você, mas porque realmente havia ficado bonito. Vivo.

- Bondade sua meu rapaz. Dê-me aqui esse espelho de velha. Obrigada.

“Espelho de velha”, que bom que ela tinha consciência disso, ri da minha própria idiotice. A senhora com os lábios vermelhos guardou seus acessórios de volta na bolsa e parecia feliz consigo mesma. Não prestava a mínima atenção em mim.

Peguei-me pensando em você. E de repente me veio seu gosto. Então um senhor estava vindo em minha direção, poderia jurar que ele iria chegar até mim para falar algo, mas passou por mim, automaticamente, quase que ensaiado a senhora se levantou e os dois deram se as mãos. O senhor, vestindo um moletom azul e uma blusa cor da pele e sandálias de couro, beijou-a a face e disse algo em seu ouvido que eu, por mais que apurasse os meus não consegui escutar.

Sorriram juntos. Trocaram segredos e carinhos. Caminharam juntos até o lago, e lá estava eu, só, sozinho com meus pensamentos mais uma vez. Estava sozinho com você, seu toque, seu perfume, seu sorriso.

Mesmo sozinho alguma coisa me aqueceu, não sei ao certo se tinha sido apenas a temperatura ambiente que havia aumentado, ou se foi meu coração que, ou se foi você. Talvez tenha sido os dois. Essa junção: você e meu coração. É uma junção gostosa, bonita, e quente. Espero te ver logo, espero te ter logo. Espero que o logo passe logo.

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*Como sou péssima pra arranjar títulos para os meus textos, usei o mesmo de uma musica do los hermanos.